ECONOMIA – ‘A hora de errar é agora’, diz Guedes ao minimizar perda de R$ 30 bi.
O ministro defende que o crescimento da arrecadação observado em 2021 autoriza ele a “arriscar”.
O ministro Paulo Guedes (Economia) voltou a minimizar a perda anual de R$ 30 bilhões dos cofres públicos com a proposta que altera o Imposto de Renda formulada por ele e pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA). Para o titular da equipe econômica, “a hora de errar é agora”.
“Nós vamos para o risco, preferimos errar para o outro lado [corte de receitas]. Se tiver que errar, a hora de errar é agora”, afirmou durante debate realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
O ministro defende que o crescimento da arrecadação observado em 2021 autoriza ele a “arriscar” perda de recursos com as mudanças, que serão observadas de forma permanente a partir de 2022.
“[A arrecadação está vindo] R$ 200 bilhões acima [de 2020]. Será que eu não posso arriscar R$ 30 bilhões?”, disse.
Analistas vêm criticando a ideia porque ela usa um fator de caráter não-recorrente (melhora nas receitas neste ano) para embasar uma perda com efeitos permanentes.
Guedes conhece as críticas. Mas afirma que a arrecadação não vai voltar a cair nos próximos anos mesmo que o PIB (Produto Interno Bruto) do país não cresça. Desta vez, no entanto, ele adicionou um adendo às declarações: “mas também não caia”.
“’Ah não, mas isso é temporário e ano que vem…’ Não, quem conhece a economia sabe que a arrecadação depende do nível. Se eu crescer zero nos próximos três anos, mas também não caia, o nível de arrecadação é esse. Tem R$ 200 bilhões a mais lá”, disse.
No primeiro semestre, a arrecadação federal ficou R$ 176 bilhões, ou 24%, acima de igual período do ano passado (já descontada a inflação). Os R$ 897 bilhões obtidos foram o melhor resultado em 22 anos.
Mas, conforme mostrou o jornal Folha de S.Paulo, economistas apontam que a melhora vista em 2021 está ligada a fatores não assegurados para os anos futuros, como a própria melhora na economia na comparação com o ano de chegada da pandemia, o preço das commodities e até o padrão de consumo na crise —mais voltado a bens (em geral, com taxação mais elevada do que serviços).
Há dúvidas sobre o comportamento da economia e das receitas nos anos seguintes —em especial considerando os impactos da crise energética e as incertezas sobre a recuperação da economia em meio à persistência da Covid-19 no país. Por isso, contar com essa elevação para respaldar um programa permanente é questionado por especialistas, que apontam que o ideal é uma proposta que não tenha impacto fiscal negativo.
O país está no vermelho desde 2014 e atingiu um rombo recorde em 2020 devido às medidas anticrise da Covid-19. A dívida bruta do governo é de R$ 6,7 trilhões —o que representa 84,5% do PIB. O endividamento é pago pelo país como um todo.
O buraco na arrecadação pode ser ainda maior se as medidas de compensação previstas na proposta não forem integralmente aprovadas no Congresso. Entre elas, estão a imposição do teto de salário para servidores públicos, a taxação de auxílios no funcionalismo e a retirada de diferentes subsídios para grupos empresariais.
Estados e municípios reclamam que praticamente toda a perda gerada pela proposta vai ficar com eles. Em cartas públicas, eles atacaram a proposta e secretários estaduais de Fazenda a chamaram de “atentado”.
Para conquistar apoio de governadores e prefeitos, Sabino, relator da proposta, sugeriu criar uma garantia para que eles não percam arrecadação.
“Nós estamos oferecendo ao Ministério da Economia, e ele está muito sensível a uma ideia que vamos discutir. Para colocarmos um hedge [espécie de seguro] para nenhum estado ter redução no FPE e FPM [fundos de participação de estados e municípios, respectivamente]. E assim agradar gregos e troianos”, afirmou Sabino.
Guedes não mencionou a sugestão diretamente, mas mostrou contrariedade com a proposta de gerar uma garantia a estados.
“Nós somos federalistas, queremos ajudar estados e municípios. Mas não pode haver um abuso nisso, em querer fazer um acordo dos impostos em cima de garantias da União”, disse Guedes. “Eu já vivi esse troço antes. Vamos dar os repasses como damos, mas sabemos até onde podemos ir. Não podemos, para ficar bem com outra instância da federação, destruir o futuro de nossos filhos e netos, nosso compromisso com a estabilidade fiscal”, afirmou o ministro.
Guedes aproveitou para reforçar sua defesa pela taxação de dividendos e pelo fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (os JCP, recursos distribuídos a acionistas e que geram desconto na base de cálculo de impostos das empresas).
No caso dos dividendos, Guedes sinalizou que pode haver uma isenção maior do que a prevista.
“Se precisar subir mais um pouquinho, sobe mais um pouco. Não quero mexer com dentista, médico, profissional liberal, não queremos atingir a classe média, nada disso”, afirmou.
A proposta prevê atualmente a tributação de 20% sobre dividendos pagos para fora do grupo econômico, sendo que há uma isenção de R$ 20 mil por mês caso o pagamento seja feito por micro e pequenas empresas. O relator já mencionou outras possibilidades de mudança nesse ponto, como um menor patamar de isenção ou também a possibilidade de uma progressividade para os dividendos (com cobrança maior para valores maiores).
O ministro também sinalizou que os JCP podem ter um fim escalonado —embora não abra mão de o fim da dedutibilidade continuar na proposta.
Durante o evento, tanto a CNI como a Febraban defenderam uma reforma tributária ampla —ideia que desagrada Guedes.
“Nós entendemos que essa reforma ampla seria a adequada para o país”, afirmou Robson Andrade, presidente da CNI.
A confederação defendia a PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, de autoria da Câmara, que fundia tributos federais, estaduais e municipais —mas que foi praticamente inviabilizada após atuação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Guedes rechaça uma reforma ampla porque as discussões acabam impulsionando a criação de um fundo de R$ 500 bilhões pago pela União para compensar prefeitos e governadores. Além disso, ele considera que a alíquota a ser aplicada pelo imposto resultante das fusões seria muito alta, o que prejudicaria pincipalmente comércio e serviços.
“É muito fácil dizer que tem uma reforma ampla, mas quando você vai olhar não tem nada embaixo. É um painel cheio de botão, mas você aperta e não tem nenhum fio embaixo. É blablá”, afirmou o ministro.
Isaac Sidney, presidente da Febraban, disse no evento que o governo deve ter entre suas prioridades o equilíbrio nas contas públicas, o controle da pandemia e a agenda de reformas. Segundo ele, a entidade está disposta a colaborar com a “construção de um pontapé inicial” para as mudanças no sistema de impostos.
“Não ignoro que nossa economia ainda esteja vulnerável ao sabor de algumas incertezas e alguns desafios. Como a dinâmica fiscal ainda débil, patamares elevados de desemprego, inflação em níveis acima da meta, uma crise hídrica que nos ameaça com risco de apagões, instabilidade política e outros fatores”, afirmou Sidney.
Dentre as reclamações da Febraban, estão os impostos mais altos para os grandes bancos do que para as fintechs.
“Mas podemos e, mais do que isso, devemos construir um ambiente fértil e propício para as reformas”, disse Sidney, que defendeu a discussão “ainda que o setor bancário não esteja tendo seus interesses totalmente contemplados”.