ECONOMIA: Arcabouço fiscal afasta risco de explosão da dívida, mas não garante queda de juro, diz Campos Neto
O presidente do BC disse que há uma certa ansiedade dos agentes econômicos em relação à necessidade de aumento de receitas.
O novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo Lula para substituir o teto de gastos elimina o risco de que a dívida pública possa seguir uma trajetória mais explosiva, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
As regras apresentadas não garantem, no entanto, uma queda imediata da taxa básica de juros, a Selic, que está atualmente em 13,75% ao ano.
“Não existe relação mecânica entre o fiscal e taxa de juros na forma como é colocada. O importante para a gente é atuar dentro do sistema de metas. Nós temos uma meta de inflação e olhamos as expectativas. O mais importante é como as medidas que estão sendo anunciadas afetam o canal das expectativas”, disse Campos Neto nesta quarta-feira (5) durante evento do Bradesco BBI.
“É importante reconhecer o grande esforço que o ministro [Fernando] Haddad e o governo têm feito. O que foi anunciado até agora elimina o risco de cauda, para aqueles que achavam que a dívida poderia ter uma trajetória mais explosiva”, afirmou.
O presidente do BC disse que há uma certa ansiedade dos agentes econômicos em relação à necessidade de aumento de receitas para garantir resultados positivos nas contas públicas e reduzir a dívida, e que é necessário observar como vai tramitar no Congresso.
Ele também vê uma ansiedade em relação à despesa obrigatória, mas disse considerar injusto que se cobre do governo cortes relevantes nesses gastos —que incluem Previdência, funcionalismo e seguro desemprego, por exemplo.
“Acho que isso deveria ser cobrado com alguma parcimônia, porque, fazendo uma análise mais profunda do passado, é bastante difícil cortar despesa obrigatória, principalmente quando a gente pensa em cortes estruturais. A gente teve alguns cortes conjunturais, mas que acabaram retornando.”
Campos Neto disse que a avaliação sobre o arcabouço é “superpositiva”. “É importante dizer que, para aqueles que tinham esse risco precificado, de que poderia ter uma trajetória de dívida mais descoordenada, acho que isso foi eliminado.”
Ele afirmou também que não vê um cenário de crise de crédito, mas uma desaceleração desse mercado em linha com uma taxa de juros mais alta, como ocorre em outros países neste momento. Disse ainda que números recentes mostram uma atividade econômica um pouco melhor do que nos meses anteriores e que o cenário hoje é de desaceleração da economia, mas não uma “desaceleração dramática”.
Campos Neto também rebateu afirmações que ele considera equivocadas, como a de que a inflação hoje está relacionada a problemas de oferta e não de demanda e que as manifestações do Copom (Comitê de Política Monetária) após a decisão mais recente de não mexer nos juros foi política e não técnica.
“A tentativa de politizar um processo que é totalmente técnico é uma coisa que deixa os funcionários da casa e os diretores, de uma forma geral, bem preocupados. Quando a gente escuta comentários de isso é uma decisão política… Não tem nada na decisão que é política. É sempre técnico.”
META DE INFLAÇÃO
Questionado no evento sobre possíveis mudanças no regime de metas de inflação, tema que foi debatido entre ele e o ministro da Fazenda nesta semana, Campos Neto reafirmou avaliar que uma meta de inflação mais alta não garante juros mais baixos. Isso porque a elevação do objetivo pode passar uma mensagem de maior leniência com a inflação.
Em relação aos comentários do ministro Haddad sobre as vantagens de se mudar o momento de cumprimento da meta, abandonando o ano-calendário, o presidente do BC disse que foram feitas simulações sobre como isso teria afetado decisões sobre os juros no passado.
Ele disse que o sistema atual, em que a meta considera o índice de preços acumulado de janeiro a dezembro, levou alguns governos a agirem de forma a “suavizar a inflação” com medidas temporárias, como desonerar produtos que tinham maior peso na cesta, para ajudar o BC a cumprir o objetivo no final do ano.
“Uma das coisas que foi notada é que, se você usasse esse sistema sem o ano-calendário, com a medição de 12 meses, medindo todo mês, seria interessante que a banda [intervalo de tolerância] fosse aumentada um potolerância.
Campos Neto disse que essa é uma discussão sobre aprimoramentos, que não está associada de nenhuma forma a tentar ganhar flexibilidade ou abrir espaço para qualquer tipo de política. Disse ainda que mudanças nesse sentido geram o risco de perda de credibilidade.
No Brasil, a meta de inflação se refere à alta do índice de preços ao consumidor acumulada de janeiro a dezembro, seguindo o ano-calendário. Em outros países, como o Chile, é considerada a inflação acumulada em 12 meses de maneira contínua —o índice deve ficar dentro do limite durante todo o ano.
Embora pareça um objetivo mais difícil de ser alcançado, há regras que tornam esse regime mais flexível. No Chile, a inflação deve ficar “na maioria das vezes” em torno de 3%, com uma faixa de tolerância de mais/menos um ponto percentual.
Os bancos centrais do Reino Unido e Canadá dizem que os juros demoram até dois anos para ter pleno efeito na economia, portanto, a política monetária tem de ser dosada olhando para um futuro mais distante, e não para trazer a inflação rapidamente para baixo.
CRÍTICAS DO GOVERNO
Mais tarde, em evento organizado pelo grupo Esfera Brasil, Campos Neto afirmou que o BC está buscando reduzir a inflação da maneira mais suave possível e de forma a causar o menor dano para a economia.
Segundo ele, se a instituição não tivesse elevado a taxa em 2022, no ano eleitoral, a inflação acumulada estaria acima de 12%, como em alguns países vizinhos, e não nos atuais 5,6%. Nesse cenário, afirmou, seria necessário jogar o país em uma recessão para controlar os preços.
“Nenhum banco central quer ter juros altos. A gente quer cair os juros. É óbvio que a gente quer trabalhar com juros baixos, mas a gente tem de olhar o que é sustentável para a frente”, afirmou.
“O custo de combater a inflação é muito alto e é sentido muito a curto prazo. O custo de não combater a inflação é muito mais alto e é muito mais nocivo e perene”, disse. “A gente tenta suavizar o máximo possível, fazer isso da forma que cause o mínimo de dano possível na economia.”
No mesmo evento, ele afirmou que críticas de membros do governo tanto em relação à atuação do BC como em relação aos planos do Ministério da Fazenda criam ruídos que impedem a melhora das expectativas dos agentes econômicos em relação ao país.
“O ruído atrapalha tanto o canal de expectativa de política monetária como de política fiscal. Se eu falo que vou fazer um plano de política fiscal e pessoas do governo começam a criticar o plano, o que acontece é que esse canal de expectativas fica interrompido. Eu não consigo trazer aquele benefício da minha promessa a valor presente na mesma magnitude que eu gostaria.”