BRASIL: Comandante critica interferência de Bolsonaro e diz que eleição de Lula foi “indesejada” no Exército
A fala do general ocorreu em reunião com oficiais do Comando Militar do Sudeste, então liderado por ele, no último 18 de janeiro.
O comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, disse a subordinados que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi “indesejada” pela maioria dos militares, mas, “infelizmente”, ocorreu e precisa ser respeitada. Afinal, segundo ele, “não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade”.
A fala do general ocorreu em reunião com oficiais do Comando Militar do Sudeste, então liderado por ele, no último 18 de janeiro. O tom, em geral, é pedindo aos militares respeito ao resultado das urnas, apesar de suas opiniões sobre a vitória de Lula.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também é criticado pelo atual presidente do Exército, mas por ter interferido nas Forças Armadas em ocasiões como quando quis fazer uma motociata em área militar, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).
Era uma reunião fechada, e o general Tomás Paiva pediu aos presentes para não ser gravado. O pedido, porém, foi desrespeitado, e o áudio acabou sendo divulgado pelo podcast Roteirices, produzido pelo jornalista Carlos Alberto Júnior.
Três dias após a reunião cujo áudio foi vazado, o general Tomás Paiva foi nomeado comandante do Exército pelo presidente Lula. Ele substituiu o general Júlio César de Arruda, o primeiro escolhido pelo novo governo, mas acabou caindo em meio a uma crise de desconfiança que se agravou após os ataques golpistas de 8 de janeiro, feitos por bolsonaristas que não aceitaram o resultado da eleição.
“A gente [militares] participou da comissão de fiscalização [do Tribunal Superior Eleitoral]. Não aconteceu nada, não teve nada. Tanto que teve um relatório do Ministério da Defesa que foi emitido e que fala que não foi encontrado nada naquilo que foi visto”, argumentou o general, sobre as suspeitas de fraude eleitoral propagadas por Bolsonaro e aliados do ex-presidente.
O comandante do Exército também afirmou que “não dá para falar com certeza que houve irregularidades”. Agora, o processo possivelmente pode ter falhas que têm de ser apuradas, falhas graves, mas não dá para falar com certeza que houve irregularidades. Infelizmente, foi o resultado que a maioria de nós, para a maioria de nós foi indesejado, mas aconteceu”, alegou Tomás Paiva.
Sobre a vitória de Lula, o general acrescentou aos seus subordinados: “A diferença nunca foi tão pequena, mas o cara fala assim: ‘General, teve fraude’. Nós participamos de todo o processo de fiscalização, fizemos relatório, fizemos tudo. Constatou-se fraude? Não. Eu estou falando para vocês, pode acreditar. A gente constatou fraude? Não”, discursou ele.
No áudio vazado, o general Tomás Paiva fala sobre os pedidos por intervenção militar feitos nos acampamentos que se formaram em frente aos quartéis após a derrota de Bolsonaro para Lula.
“Imagina se a gente tivesse enveredado para uma aventura. A gente não sobreviveria como país. A moeda explodiria, a gente ia levar a um bloqueio econômico jamais visto. Aí, sim, viraria um pária, e o nosso povo viveria as consequências. Teria sangue na rua. Ou vocês acham que o povo ia ficar parado?”, diz o militar, que alegou ainda ser impossível do ponto de vista legal fazer uma “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, como pediam os militantes radicais.
O general também relativizou chamar de terroristas os invasores das sedes dos Três Poderes. “É triste também, porque a gente deu ferramenta para chamar o cara de terrorista. Que é isso? Não é terrorista. Estão até de sacanagem dizendo que o Mossad [serviço secreto israelense], está todo mundo querendo vir aqui para aprender com a Polícia Federal como que prende 1.500 terroristas de uma vez só […] Isso daqui é o seguinte: é vândalo, é maluco, cara que entrou numa espiral de fanatismo e extremismo que não se sustenta”, avaliou.
Na parte do discurso em que critica o ex-presidente Bolsonaro, Tomás Paiva fala de intervenção nas Forças Armadas e cita uma tentativa de fazer uma motociata na Aman.
“Algumas interferências do governo, direta, na área militar: ‘A nova motociatas de Bolsonaro será na Aman. Foi noticiado’. Não ocorreu, porque os nossos comandantes e generais convenceram o presidente de que não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar. Dá para achar que isso é uma coisa adequada?”, questionou.
O comandante do Exército também criticou a mudança, ordenada por Bolsonaro, do desfile militar do último 7 de Setembro, no Rio de Janeiro, da Avenida Presidente Vargas para a Praia de Copacabana, onde havia um ato de apoio à campanha do ex-presidente à reeleição.
“Passou a ser em Copacabana. Não tem desfile, no final foi uma celebração, com algumas manifestações, mas, para o povo, está tudo misturado, o que é militar, o que não é militar”, criticou.