BRASIL: Mercado financeiro antevê política ‘morde e assopra’ de Haddad na Fazenda
A proporção de endividamento sobre o PIB é um dos indicadores seguidos mais de perto por investidores.
A indicação de um ex-banqueiro como número 2 do futuro Ministério da Fazenda reforçou a expectativa do mercado de que o futuro ministro petista, Fernando Haddad, adote um estilo de gestão “morde e assopra” à frente da economia de Lula 3.
De um lado, o governo eleito tem dado sinais de que elevará os gastos, enquanto ao mesmo tempo dá indicações de que buscará segurar a trajetória da dívida pública. A proporção de endividamento sobre o PIB é um dos indicadores seguidos mais de perto por investidores: quanto maior a proporção, em regra, maior o risco do credor, o que tende a elevar os juros cobrados.
O lado que mais morde são as discussões sobre a PEC da Gastança em Brasília, em que se preveem gastos extras que ultrapassam os R$ 150 bilhões. No lado que mais assopra, ele esperam uma formação da equipe econômica que vá em direção oposta, com nomes que agradem aos investidores.
O nome do ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Galipolo, por exemplo, vai nessa direção. Galipolo, que atuou na coordenação do plano de governo do ex-prefeito na disputa pelo estado de São Paulo, teria aceitado nesta terça-feira (13) o convite de Haddad para a secretaria-executiva do ministério da Fazenda.
O economista André Perfeito avalia que o nome de Galipolo tende a ser bem recebido pelos investidores.
“Acredito que a reação dos investidores deve ser positiva. Afinal, ele era do mercado e tem uma interlocução boa com a indústria financeira”, afirma Perfeito.
Ele acrescenta que as atenções dos investidores estarão voltadas especialmente para a nomeação do secretário de política econômica do novo governo, que costuma ser um dos principais responsáveis pela interlocução com o mercado financeiro. Haddad deve anunciar outros nomes da equipe econômica ainda nesta terça.
Economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management, Julio Hegedus Netto também vê com bons olhos a escolha de Galipolo.
“Acho que é um nome que vai ser bem aceito pelo mercado. Ele tem uma experiência de mercado boa, e é importante que ele, como secretário-executivo, tenha um bom trânsito no mercado financeiro. Foi uma boa escolha e considero acertada a decisão do ministro Fernando Haddad”, afirma Hegedus Netto.
Já Silvio Campos Neto, economista sênior da consultoria Tendências, tem uma visão mais cautelosa sobre o nome de Galipolo. “Não o conheço muito, mas sei que tem uma visão mais desenvolvimentista. É importante que ele se manifeste nos próximos dias para falar o que pensa, o que pretende no cargo, para obtermos informações melhores e conseguir avaliar de forma mais precisa qual a orientação que pretende adotar.”
Perfeito diz ainda esperar por uma gestão no estilo “morde e assopra” de Fernando Haddad à frente do ministério da Fazenda.
Nesse sentido, a expectativa dele é a de que, em alguns momentos, membros do ministério sinalizem para uma política de aumento dos gastos, mas, em outros, indiquem também a intenção do governo de adotar uma maior austeridade fiscal.
“Pelo tom das declarações recentes do Lula, me parece que é um pouco esse o jogo que o Haddad vai tentar fazer”, afirma Perfeito, que ressalta a importância de gestos recentes que podem agradar o mercado, como a aproximação de Haddad com o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto.
O economista diz ainda que o nome do ex-prefeito estava longe de ser o preferido do mercado, mas que, considerado o nível atual da Bolsa e do dólar, há espaço para valorizações, desde que não haja surpresas consideradas muito negativas por parte dos agentes financeiros em relação à condução da economia.
Hegedus Netto, da Mirae Asset, lembra ainda que, em declarações nos últimos dias, Fernando Haddad afirmou que a reforma tributária será uma das prioridades na área econômica no primeiro ano do governo.
Segundo o especialista, o ponto mais importante dentro da discussão de uma reforma tributária diz respeito à unificação dos impostos, com a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
“A reforma tributária passa por uma simplificação da carga fiscal, e talvez com uma taxação sobre lucros e dividendos que é um debate que está em aberto”, afirma Hegedus Netto.
Campos Neto, da Tendências, afirma que a reforma tributária é um avanço importante no campo econômico para o próximo governo, em especial ao trazer alguma compensação considerado o aumento de gastos previsto com a PEC da Gastança.
“Sabemos que é uma reforma difícil de sair, que mexe com diversos setores e estados, sempre tem resistência, mas, a princípio, parece ter alguma viabilidade, até porque já tem um texto pronto de boa qualidade produzido por uma pessoa que tem trânsito junto ao PT, que é o Bernard Appy”, afirma Campos Neto.
O economista da Tendências diz que a desconfiança que ainda permanece no mercado decorre de uma visão desenvolvimentista que segue com força em alas do governo eleito, segundo a qual o crescimento da economia seria impulsionado principalmente por uma atuação do Estado. “A grande preocupação é se teremos uma retomada desse modelo.”
Ele acrescenta que o mercado reconhece a importância da atuação do Estado em áreas que não despertam o interesse do setor privado, mas que a preocupação dos investidores diz respeito ao ímpeto desse intervencionismo estatal na economia de uma forma mais ampla, por meio dos bancos públicos ou de programas aos moldes do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou do MCMV (Minha Casa Minha Vida).
“Dadas as restrições orçamentárias e a atenção do mercado em cima disso, acredito que o governo não deve caminhar com o mesmo ímpeto que vimos em outras ocasiões”, diz o economista, lembrando também que o próprio Congresso de perfil mais ao centro pode contribuir para evitar um direcionamento nesse sentido.