POLÍTICA : Abstenções têm efeito incerto, mas podem impedir definição da eleição no 1º turno
Vários motivos podem explicar o aumento da taxa de abstenção, incluindo dificuldades com transporte no dia da votação.
De todos os fatores que podem contribuir para uma definição da eleição presidencial deste ano no primeiro turno, no domingo (2), o que mais tem desafiado os especialistas é o declínio dos índices de participação do eleitorado, que vêm diminuindo desde 2010.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 20% dos eleitores aptos a votar não compareceram às urnas nas eleições de 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi eleito. Em 2006, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi reeleito, 17% não votaram.
Vários motivos podem explicar o aumento da taxa de abstenção, incluindo dificuldades com transporte no dia da votação, falhas nos cadastros da Justiça e até o desinteresse das pessoas pela política, mas não há estudos que permitam saber qual razão tem prevalecido.
Nas eleições municipais de 2020, as abstenções atingiram 23%, mas o pleito desse ano foi atípico, por ter ocorrido no auge da pandemia de Covid-19. Pesquisas feitas pelo Datafolha na época indicaram que muitos eleitores ficaram em casa porque tinham medo de se contaminar.
Uma dificuldade para análise das abstenções é a desatualização das informações de muitos eleitores. Dos 156 milhões considerados aptos a votar neste ano, 24% ainda não fizeram o recadastramento biométrico, em que o TSE coleta assinaturas, fotos e digitais de todos.
Neste ano, analistas apontam as abstenções como um fator que pode reduzir as chances de uma vitória de Lula no primeiro turno. Para liquidar a fatura no domingo, o petista precisará obter mais de 50% dos votos válidos, excluídos da contagem votos em branco e nulos.
Segundo o levantamento mais recente do Datafolha, ele tinha 50% dos votos válidos há uma semana. Como a margem de erro é de dois pontos, ele teria entre 48% e 52% dos votos. Uma nova pesquisa do instituto será divulgada na noite desta quinta (29), no site da Folha de S.Paulo.
Estudiosos que analisaram dados das últimas disputas presidenciais notam que a abstenção foi maior em alguns dos segmentos do eleitorado em que Lula tem mais força, mas acham muito difícil prever o impacto que uma repetição desse fenômeno poderia ter agora.
Segundo o TSE, as taxas de comparecimento de eleitores com poucos anos de estudo foram menores em 2018 do que as de eleitores com maior escolaridade. É um indício de que Lula pode ter problemas com eleitores de baixa renda, que lhe dão grande vantagem nas pesquisas.
Em 2018, compareceram às urnas 79% dos eleitores que só tinham o ensino fundamental completo ao se registrar, e 88% dos que tinham ensino superior. A diferença é ainda maior entre os analfabetos: somente 49% dos que estavam aptos a votar participaram da eleição.
Por outro lado, o engajamento das mulheres tem sido maior que o dos homens, e as pesquisas também indicam vantagem para Lula nesse segmento, que representa a maioria do eleitorado. No Datafolha, o petista tinha 49% das intenções de voto entre elas há uma semana.
Segundo as estatísticas do TSE, votaram na última eleição presidencial 80% das mulheres inscritas e 79% dos homens. Nas eleições de 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) foi reeleita, 82% das mulheres aptas e 80% dos homens participaram da votação.
“Muitos acham que a abstenção reflete insatisfação dos eleitores com a política, mas não temos elementos para saber isso”, diz o cientista político Jairo Nicolau, da FGV (Fundação Getúlio Vargas). “Uma eleição mais disputada como a deste ano pode levar mais gente às urnas.”
Os números do TSE mostram que, em 2018, o comparecimento às urnas aumentou no Nordeste. A região representa 27% do eleitorado e é uma das fontes principais da força eleitoral de Lula. Segundo o Datafolha, ele tinha 62% das intenções de voto no Nordeste há uma semana.
A abstenção foi maior no Sudeste, região que reúne 43% do eleitorado e onde a vantagem de Lula sobre Bolsonaro nas pesquisas é mais estreita. De acordo com as estatísticas oficiais, 22% dos eleitores aptos a votar no Sudeste não compareceram nas eleições de 2018.
Alguns segmentos em que a abstenção foi muito grande em pleitos anteriores têm pouco peso relativo no conjunto do eleitorado, como é o caso de analfabetos e idosos com mais de 70 anos, que não são obrigados a votar. Isso tende a reduzir o impacto no resultado final.
Fernando Meireles, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), calcula que uma repetição dos baixos índices de comparecimento dos idosos causaria uma perda de 0,34% dos votos para Lula, cuja vantagem sobre Bolsonaro é menor nessa faixa etária.
Parece irrelevante, mas pode fazer diferença se a margem para vitória no primeiro turno se estreitar mais até a hora da votação.
“Acho difícil que as abstenções alterem drasticamente o quadro”, diz Meireles. “O voto útil e definições de última hora tendem a ser mais importantes.”
Um fator que não esteve presente em outras eleições poderá contribuir desta vez para aumentar a abstenção, a preocupação do eleitorado com a violência política. Há duas semanas, 9% disseram ao Datafolha que podem não sair de casa por temer atos violentos no domingo.
Na semana passada, quando o instituto quis saber se os eleitores estão com vontade de votar, somente 3% disseram aos pesquisadores que não pretendem comparecer e 16% afirmaram que irão votar mesmo sem nenhuma vontade. Entre as mulheres, 21% se expressaram assim.
“As pessoas parecem mais convictas de suas escolhas nesta eleição e isso poderá levar mais gente a votar”, diz Luciana Chong, diretora do Datafolha. As pesquisas mostram que a maioria dos eleitores de Lula e Bolsonaro se definiram há meses e não pretendem mudar o voto.