POLÍTICA : Pesquisas e ciência política afastam reviravolta na corrida presidencial
A comparação com corridas presidenciais anteriores torna a disputa deste ano singular sob muitos ângulos, mas reitera a lembrança de um risco constante.
Ninguém se arrisca a afirmar com plena certeza, mas os números das pesquisas e as interpretações dos movimentos a pouco mais de três meses da eleição afastam, ou ao menos reduzem, a possibilidade de o embate deixar de se concentrar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). É justamente o tempo a ser percorrido até o pleito que motiva a cautela, porque levantamentos como o realizado pelo Datafolha no fim de junho indicam tendências do momento em que são feitos, mas, como insiste o clichê, não substituem o resultado das urnas.
Outros prazos reforçam o diagnóstico de que é remota a chance de surgirem novos favoritos, assim como lançam dúvidas sobre as condições de recuperação de Bolsonaro e a capacidade de Lula de administrar sua vantagem. A comparação com corridas presidenciais anteriores torna a disputa deste ano singular sob muitos ângulos, mas reitera a lembrança de um risco constante: a hipótese do inesperado e até mesmo do excepcional —como a facada sofrida por Bolsonaro em 2018.
“Levando em conta apenas os elementos normais de análise de conjuntura, é difícil imaginar alguma mudança no cenário”, diz a cientista política Carolina de Paula. “Só se considerarmos eventos externos, como facadas e similares”, segue ela, ligada à Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Mesmo com a adversidade imposta pela muralha da soma de 75% de intenções de voto em Lula (47%) e Bolsonaro (28%), presidenciáveis como Ciro Gomes (PDT, 8%), André Janones (Avante, 2%) e Simone Tebet (MDB, 1%) se mantêm esperançosos de que até 2 de outubro há uma longa estrada.
Ciro lança mão da analogia de que os votos que poderão cair em seu colo estão hoje represados entre indecisos e eleitores pouco convictos dos dois líderes. Ele diz que a população está em um “estado de torpor e medo”, mas vai acordar. Na mesma linha, Janones afirma que o voto será decidido na reta final e que isso provocará uma busca por opções. O deputado federal por Minas Gerais sustenta que as pessoas estão reféns da obrigação de terem que escolher o menos pior, mas isso vai mudar.
Tebet vem tentando se firmar com uma mensagem de esperança e pacificação. Escolhida candidata de consenso da depauperada terceira via, ela é desconhecida por 77% da população. O desafio é subir nas pesquisas e ser vista como alternativa viável. Estrategistas dessas campanhas recorrem a vários argumentos para embasar a ideia de que nada garante que Lula ou poderá se eleger no primeiro turno ou necessariamente competirá com Bolsonaro no segundo. Isso, é claro, desconsiderando a ameaça de golpe eleitoral pelo atual mandatário.
A propaganda gratuita em rádio e TV (que irá de 26 de agosto a 29 de setembro), a fadiga do eleitorado com a polarização entre Lula e Bolsonaro e um despertar tardio de parte do eleitorado para as eleições e para a existência de opções são citados como possíveis pontos de virada. Há ainda quem aposte nas rejeições volumosas a Bolsonaro e Lula (hoje de 55% e 35%, respectivamente) como gatilho para uma reviravolta. Todas as suposições são encaradas com ceticismo por especialistas.
“As pesquisas indicam cristalização do sentimento de que a concorrência será entre os dois e que será preciso ficar com um deles”, diz Carolina.
Segundo ela, o uso disseminado das redes sociais, turbinado pelo bolsonarismo, promove um clima permanente de campanha, diferentemente do que ocorria no passado. A nova realidade tende a diluir a importância da propaganda obrigatória nos meios tradicionais.
Os prognósticos sobre estabilidade do cenário se baseiam ainda na antecipação do debate eleitoral —a princípio por obra do mandatário, depois pela reabilitação do petista— e no inédito antagonismo entre políticos carismáticos que já ocuparam o cargo e podem ser avaliados empiricamente.
“Algo que não seja o enfrentamento entre Lula e Bolsonaro me parece a cada dia mais improvável”, afirma Humberto Dantas, coordenador da pós-graduação em ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Com o que se tem hoje, sobra pouco espaço para outro fenômeno.”
Para o pesquisador, o quadro nada mais é do que um reflexo da política nacional nos últimos anos, em que a força gravitacional de ambos se impôs. O malogro da centro-direita na tentativa de fabricar uma alternativa sólida tem a ver com isso. A essa mesma altura dos pleitos de 2018 e 2014, as intenções de voto estavam mais pulverizadas entre os principais candidatos, o que significava perspectiva maior de oscilações, quedas e ultrapassagens.
Na corrida de quatro anos atrás, havia ainda um elemento no horizonte capaz de mexer com a situação, a troca de Lula, então preso e impedido de concorrer, por Fernando Haddad na chapa do PT. A onda dos outsiders e da renovação política, apropriada por Bolsonaro, refluiu desde então, como demonstrou a eleição municipal de 2020, ditada por credenciais como experiência de gestão.
Isso faz analistas desestimularem comparações com as viradas de governadores vitoriosos em 2018, como Romeu Zema (Novo-MG) e Wilson Witzel (PSC-RJ), que foram arrastados pelo turbilhão bolsonarista. Entende-se que a realidade agora é outra, tanto nos estados quanto no plano federal. O conjunto de particularidades leva à avaliação de que o período oficial de campanha dificilmente terá potencial para abalar a permanência de Lula e Bolsonaro na dianteira. Não são descartadas, porém, variações nos percentuais deles em função dos previsíveis ataques de parte a parte.
“Se Bolsonaro for capaz de produzir um milagre, terá chance de vitória. Senão, terá bastante dificuldade e vai ter que contar com a sorte”, diz o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, do instituto de pesquisas Ipespe.
A história, observa ele, mostra que presidenciáveis que viraram o jogo foram beneficiados por trunfos (como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real em 1994), padrinhos (Dilma Rousseff e o apoio de Lula em 2010) ou excepcionalidades (atentado a Bolsonaro, que o evidenciou).
Na luta para ficar na cadeira até 2026, o chefe do Executivo recorre a medidas de cunho eleitoreiro para tentar mitigar as consequências da crise econômica, pauta mais do que central nesta eleição. A grande dúvida é se os gestos terão efeito a curto prazo e impacto no voto. Para analistas, a situação de Bolsonaro é crítica por esse viés, mas ligeiramente confortável se for examinado o fato de que ele ostenta patamar entre 25% e 30% de intenções de voto e não sofre ameaça de ser desalojado da segunda colocação por outros rivais.