MUNDO: Lula ataca golpistas e critica Guerra da Ucrânia em Portugal sob vaias e aplausos
Enquanto o presidente brasileiro falava, os 12 deputados da bancada do partido Chega ficaram de pé.
Em sessão tumultuada por interrupções de deputados da ultradireita, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou no Parlamento de Portugal nesta terça (25) —data em que se comemoram 49 anos da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura no país.
Enquanto o presidente brasileiro falava, os 12 deputados da bancada do partido Chega ficaram de pé, segurando cartazes com a bandeira da Ucrânia e com a frase “chega de corrupção”.
O grupo também passou a bater nas mesas e a fazer barulhos para atrapalhar o pronunciamento do petista. Líder do Chega, o deputado André Ventura é apoiador declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Apesar das manifestações, Lula seguiu com sua fala, na qual relacionou a Revolução dos Cravos aos anos de Brasil sob Bolsonaro. “Saudosos do autoritarismo tentaram atrasar o relógio em 50 anos e reverter as liberdades que conquistamos. Portugueses assistiram a tudo, preocupados com a possibilidade de o Brasil dar as costas ao mundo.”
Lula também voltou a falar sobre a Guerra da Ucrânia, tema que dominou os primeiros dias de sua viagem à Europa. O petista criticou soluções militares para conflitos e voltou a pedir paz —desta vez sem igualar as responsabilidades de Kiev e Moscou no conflito, argumento que ele já evocou e que gerou indignação.
“Quem acredita em soluções militares para os problemas atuais luta contra os ventos da história. Nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política”, declarou.
Dando continuidade aos seus esforços para suavizar o tom em relação aos enfrentamentos no Leste Europeu, o petista ainda voltou a condenar a violação à integridade territorial ucraniana pela Rússia.
Enquanto deputados de esquerda aplaudiam constantemente as intervenções de Lula, parlamentares da centro-direita foram mais comedidos. Do lado de fora do Parlamento, as demonstrações de polarização se repetiram, com mais de uma centena de manifestantes convocados pelo Chega protestando contra a presença de Lula e ativistas a favor do petista mobilizados no entorno do prédio.
Após o fim da tumultuada sessão, diversos deputados entoaram, ainda no plenário, versos da canção “Grândola, Vila Morena”, considerada um hino informal do movimento que pôs fim à ditadura lusitana.
Lula deixou a Assembleia da República, em Lisboa, pouco após discursar e foi direto para o aeroporto, de onde viajou para Madri, na Espanha, último destino de sua viagem oficial à Europa. Na capital espanhola, o brasileiro voltou a falar sobre a Guerra da Ucrânia, à qual se referiu como “guerra insana”. “Não se pode aceitar que um país invada outro. Mas ninguém está falando em paz”, disse o petista, modulando o tom das críticas que lhe renderam reações negativas. “O que pode evitar uma guerra mundial é encontrar um denominador comum que possa encontrar a paz e estamos empenhados.”
Na saída de Portugal, o petista chamou de “papelão” a postura dos parlamentares que o vaiaram. “Às vezes lamento porque as pessoas, quando não têm uma coisa boa para fazer, fazem essa cena de ridículo. Mas quem faz política está habituado a isso. Acho que essas pessoas, quando voltarem para casa e deitarem a cabeça no travesseiro, vão falar: que papelão nós fizemos.”
O presidente do Parlamento luso, o socialista Augusto Santos Silva, repreendeu os parlamentares. “Os deputados têm de se comportar com cortesia e educação. Chega de insultos, de degradarem as instituições, de colocarem vergonha no nome de Portugal.”
Membros do governo Lula, entre eles o ministro da Justiça, Flávio Dino, também criticaram a postura dos legisladores portugueses que protestaram. No Twitter, Dino chamou de deploráveis as manifestações e se referiu a seus autores como um “grupelho que não respeita os laços históricos e de amizade com o Brasil”.
A fala de Lula no Parlamento gerou polêmica antes mesmo de ocorrer. A informação de que o brasileiro faria uma intervenção nas celebrações da Revolução dos Cravos, uma das principais datas do calendário político português, foi divulgada por um ministro do governo sem acordo prévio com os deputados.
Contrariados com o que consideraram quebra do princípio de separação de Poderes, líderes dos partidos decidiram não aprovar a participação do petista na sessão comemorativa. A saída para o imbróglio foi organizar uma sessão separada, antes daquela que celebra oficialmente o aniversário da revolução.
Para o cientista político António Costa Pinto, ex-coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a ultradireita local usa a ofensiva contra Lula como trampolim para ganhar capital político junto ao eleitorado luso sensível ao tema da corrupção.
O peso crescente dos imigrantes brasileiros também contribui para o interesse em se ligar à comunidade. Nas eleições de 2022, Lula venceu entre os eleitores que vivem no país, segundo maior colégio eleitoral brasileiro no exterior, mas Portugal tem uma grande presença de imigrantes simpáticos a Bolsonaro.
Com isso, a realização de críticas e constrangimentos públicos ao petista também podem render dividendos políticos entre os bolsonaristas brasileiros com direito a voto em Portugal.